sexta-feira, 21 de junho de 2013

Vozes de Vitoria: José Jorge Loureiro

«Tudo foram manobras e atiradores.»

Durante a campanha que se iniciou em Maio de 1813, e que levaria o exército anglo-luso até às fronteiras da França, José Jorge Loureiro foi alferes do regimento de infantaria nº4 e ajudante de campo do brigadeiro britânico ao serviço de Portugal, Archibald Campbell, e foi nesta condição que assistiu à decisiva batalha de Vitoria, travada a 21 de Junho de 1813.
O brigadeiro Campbell comandava a brigada portuguesa composta pelos regimentos de infantaria nº 4 e nº 10 e pelo batalhão de caçadores nº 10, parte da divisão portuguesa comandada pelo General Francisco da Silveira, Conde de Amarante.
A divisão portuguesa fazia parte do corpo comandado pelo general Rowland Hill que na batalha de Vitoria constituiu a ala direita do exército aliado.


A brigada Campbell manteve-se durante a batalha numa posição de reserva na ala direita da linha aliada.
Durante este período da sua vida, Loureiro manteve correspondência com o seu cunhado e amigo Ernesto Biester, e é precisamente numa dessas cartas que Loureiro deu a sua visão sobre os acontecimentos de Vitoria. Foi publicada originalmente por Mendes Leal Junior na Revista Contemporânea de Portugal e Brazil, segundo ano, abril de 1860, I, Lisboa, p. 100 e seguintes.

Transcreve-mos, atualizando a ortografia, este raro testemunho presencial de um oficial português.

Campo junto a Salvaterra, 23 de Junho, de 1813.

Querido Ernesto

Apresso-me a participar-te os acontecimentos do dia 21 do corrente, o dia mais glorioso que até agora tem tido os exércitos aliados neste país. Como deves querer circunstanciadamente saber o acontecido, vou dizer-te o que presenciei, e o que tenho ouvido depois.
No dia 21 avançou todo o exército das margens do Bayas em diferentes colunas sobre Vitória. O corpo do general Hill fazia a direita de todo o exército, e como tinha menos a marchar foi o primeiro que encontrou a esquerda do inimigo, o qual tinha esta numa montanha, e fazia uma linha obliqua com a direita cobrindo Vitória. Sobre outras montanhas, junto à estrada real de Bayona todo o exército inimigo estava em posição. Tinha na frente da sua esquerda um denso bosque, que pretendeu disputar com caçadores. Logo que chegamos, principiou-se o ataque com uma brigada inglesa, e a minha divisão fazendo a reserva. As outras brigadas vagarosamente subiam uma escarpada montanha para tornear o inimigo. Como o resto do exército ainda não tinha chegado aos pontos determinados, o nosso ataque foi muito demorado e de entretenimento. Os franceses com coragem e êxito defendiam o bosque somente com atiradores, apoiados por alguma artilharia sobre a estrada, a qual não nos fez dano algum. Continuou por espaço de duas horas o ataque desta maneira, até que o general Graham, tendo pela nossa esquerda torneado o inimigo, começou também o seu ataque. Então fez-se a ação geral. Os franceses, que esperavam o ataque todo na sua esquerda, vendo-se de repente torneados, começaram a retirar a sua direita já em bastante confusão. A este tempo tinha a nossa direita avançado bastantemente sobre a montanha, e vendo-se a esquerda inimiga a ponto de ser igualmente flanqueada, começou também com muita celeridade e confusão a sua retirada. A minha brigada, que protegia a brigada inglesa que fazia o ataque, marchou no alcance dos franceses, assim como todo o exército. Como o terreno era todo cultivado e com muitas valas para marcaras terras e dar vazante às águas dos montes, nunca podemos ir com a velocidade necessária; e eles aproveitaram-se da ordem em que nós marchávamos para se debandarem e tornarem a reunir-se noutro ponto. O terreno era-lhes tão favorável, que apresentava a cada passo pequenas posições, das quais foram sempre desalojados por atiradores, e manobras, com as quais se achavam a cada passo correndo perigo de serem cortados por ambos os flancos. Durou a perseguição todo o dia até noite fechada, e no espaço de duas léguas e meia, contando do lugar onde começou a ação. Deixaram livre a estrada de Bayona, e retiraram-se pelo caminho real de Pamplona, no qual nós hoje estamos em seu seguimento. Perderam 105 peças de artilharia com os seus pertences, e mais de 2000 carros de bagagem, quase todas as do exército. O rei José perdeu também toda a sua dentro de Vitória, assim como 24 criados. Só escaparam os cavalos à mão. Fizemos 700 a 800 prisioneiros, e 180 oficiais. Os generais Sourry e Grenier mortos, e 2 prisioneiros (ignoro os nomes). Os nossos soldados estão cheios de riquezas do saque. A nossa perda em mortos e feridos é maior que a do inimigo; porém os feridos são quase todos levemente. Não há general nenhum nosso ferido. A maneira com que o inimigo retirou é vergonhosissima. A posição que tomou, e o modo com que se deixou flanquear não dá crédito algum aos seus generais. A minha brigada, ainda que não entrou em fogo, fez um serviço nada pequeno, pois marchando com velocidade incrível ameaçou sempre muito de perto a esquerda do inimigo.
Há 23 dias que marchamos sem fazer alto, e creio não o fazermos sem irmos a Pamplona.
A ação começou às 11 da manhã, tornou-se geral pelas duas, e acabou à noite.
Não houve ataque nenhum regular. Tudo foram manobras e atiradores.

Adeus Amigo

Loureiro

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